Mercados de rua são quase sempre uma bela maneira de se entrosar com a cultura gastronômica de um lugar. Em algumas cidades isso é mais verdade; em outras, menos. Em Belém, é indiscutível: uma visita ao Ver-o-Peso é fundamental pra quem deseja se aproximar das referências da mesa belenense. E é reveladora, em todos os sentidos.
Conforme percorria as bancas, ia constatando a falta de estrutura, de organização e mesmo de higiene, o que não chegou a ser uma surpresa. Surpreendente mesmo foi procurar frutas como bacuri, cupuaçu, muruci e, em vez disso, encontrar muitas bananas, uvas e laranjas. Isso foi, logo de cara, o que me causou mais estranheza...
Imediatamente me lembrei do artigo recente de Pedro Martinelli no caderno Paladar. Aquelas palavras faziam todo sentido pra mim naquele momento. Não é que não haja frutas amazônicas no Ver-o-Peso. Há. Mas não como o turista imagina. Fora a castanha-do-pará, que é onipresente, vê-se cupuaçu e cacau em algumas poucas bancas. Taperebá vi em uma só. Bacuri, que é a minha predileta, eu penei pra encontrar. Na verdade, há uma única banca que vende em variedade as frutas da região: a famosa banca da dona Carmelita, onde, inclusive, descobri um tipo de bacuri que não conhecia, que ela me disse chamar-se “bacuri peitinho”, uma maravilha. No mais, o que se encontra mesmo são bancas vendendo, não as frutas, mas suas polpas.
Esse olhar observador ajuda a desconstruir a visão idealizada que tanto se cultiva daquele canto do Brasil. Mas, ainda assim, não sufoca o encantamento diante da riqueza do que se vê ali. Do universo de sabores (e hábitos) tão diversos daqueles que habitam nossa rotina no eixo Rio-São Paulo. Do amarelo do tucupi ao verde da maniva, do roxo intenso do açaí às pimentas de todas as cores e cheiros. Comi mingaus. Bebi sucos. Provei farinhas de todo tipo – e, claro, trouxe comigo um estoque delas.
Martinelli faz naquele artigo uma observação séria e importante, ao lembrar que “toda vez que aterrissamos na Amazônia, o olho fica abobado e é incapaz de ver que o homem que está batendo açaí trabalha sobre o esgoto” (referindo-se à rotina dos batedores no porto da Palha). Confesso que, mesmo atenta a essas questões, não houve como impedir que meus olhos ficassem abobados no Ver-o-Peso – talvez não haja mesmo como evitar... A falta de estrutura e higiene acabou mitigada pelo fascínio diante da vida acontecendo dentro do mercado. E por tudo aquilo que me marcou a retina e o paladar de forma irremediável. E a verdade é que o copo de açaí batido, espesso, gelado, que bebi ali, debruçada às margens do rio-mar Guamá, debaixo do sol inclemente de Belém, minutos antes de me despedir da cidade, fez mais por mim do que faria qualquer compêndio sobre a cozinha paraense. Me fez sair dali já com vontade de voltar.
Mercado Ver-o-Peso – Boluverd Castilhos França S/N
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