Como eu dizia no último post, o melhor de fazer um roteiro no Pará como o que fiz a convite de Ricardo Frugoli, foi a possibilidade de conhecer lugares e pessoas que o turista comum geralmente não acessa, vivenciar experiências que não costumam estar no script. Justamente por isso, alguns dos nossos momentos à mesa, em Belém e no interior do estado, foram mais do que simples refeições e nos permitiram instantes de rara intimidade com a cultura do lugar.
Foi assim no almoço na casa de Seu Bené. Como contei aqui, passamos com ele quase um dia inteiro, numa visita que começou no mandiocal e acompanhou a produção artesanal de farinha e a fabricação de paneiros. Sua esposa preparou pra nós um almoço simples e delicioso, que compartilhamos acomodados ao lado do forno onde ele trabalha diariamente. Ensopado de galinha caipira com abóbora e mandioca, arroz, feijão e, claro, farinha. Houve ainda um pirão que merece menção especial. Feito com o caldo da galinha, está entre os melhores que já comi. Tão bom que acabou antes mesmo que eu tivesse chance de fotografar.
Outra experiência ímpar foi a oportunidade que tivemos de entender melhor como os belenenses celebram o Círio de Nazaré. Fomos recebidos por dona Luzinete, que Ricardo conheceu através das muitas entrevistas que fez com famílias locais a respeito das tradições culinárias do Círio. Ao longo da tarde que passamos em sua casa, os dois prepararam pra nós alguns dos clássicos da festa paraense: maniçoba, pato no tucupi e arroz paraense, este último feito com os mesmos ingredientes do tacacá: camarão seco, tucupi, jambu, alfavaca, chicória.
Igualmente memorável foi nossa última refeição em Belém. Após madrugarmos na feira do açaí, seguimos, noite ainda, pra um passeio pelo rio Guamá e seus afluentes. Ao amanhecer, tomamos o rumo da Saldosa Maloca (assim, com L mesmo), restaurante na ilha do Combu, de onde se avista, ao longe, a cidade. Já havia almoçado ali em visita anterior, como contei nesse post. Mas desta vez foi diferente.
O lugar não abre ao público no café da manhã, mas a proprietária, dona Neneca, estava lá especialmente pra nos receber. E nos acolheu com sucos de cupuaçu e acerola, pupunha cozida, açaí na tigela, mingau de tapioca, doce de cupuaçu e um bolo de macaxeira que é dos melhores de que tenho notícia. Depois, ainda nos acompanhou numa caminhada aos fundos da propriedade, onde há pés de cupuaçu, açaizeiros e imponentes samaumeiras.
Em refeições como essas, a comida assume um valor muito maior que o de apenas alimentar. Cumpre o papel de esquadrinhar a relação das pessoas com o cenário onde vivem, revelando uma das perspectivas mais profundas pelas quais se pode descobrir um lugar: a de sua cultura alimentar.
Rota da Mandioca – informações com Ricardo Frugoli através do e-mail reservas@laboratoriodosabor.com.br