Sou bicho urbano. Meu bem-estar físico e mental depende da existência de cinemas, supermercados, livrarias e restaurantes num raio de cinco quilômetros de onde eu me encontre. Como ninguém é uma coisa só, parte de mim entra em conflito com essa excessiva dependência da urbe e suplica por hiatos de silêncio e contemplação. Tento não contestar quando essa urgência se manifesta. Mas tais intervalos não costumam durar mais do que um fim de semana. Isso explica por que o segundo pensamento que me ocorreu ao chegar à Praia do Laje (depois de: “meu Deus, que lugar!”) foi: “o que é que eu vou fazer aqui durante quatro dias?”. Não demoraria muito pra que aquela preocupação fosse solapada por outra: encontrar uma forma indolor de me despedir.
A praia é uma das mais bonitas do litoral alagoano. Não bastasse isso, há o fato de permanecer quase deserta durante a maior parte do ano. Nesse cenário, a pernambucana Adriana Didier e o português Joaquim Santos ergueram a Aldeia Beijupirá com simplicidade e bom gosto, uma construção que não se sobrepõe à paisagem, mas dialoga com ela. Tudo é permeado por tremenda brasilidade e cada detalhe, desde a música até o impecável serviço (agradecimento especial a um sorriso chamado Letícia), é pensado pra oferecer ao hóspede uma experiência única.
Embora eu tivesse um carro à minha disposição, faltou-me motivação pra ir conhecer praias vizinhas. Por que sair de um lugar onde a felicidade era certa e me arriscar em direção a outras paragens? Meus dias eram assim: acordava, tomava café, caminhava, dava um mergulho, nadava, lia, tirava um cochilo na rede, lia mais um pouco. Nessa toada, acabei fazendo praticamente todas as refeições na pousada. Confesso que os pratos mais substanciosos e, digamos, mais inventivos, não me entusiasmaram. Fui mais feliz com os petiscos, companhia providencial em uma das atividades a que mais me dediquei durante a temporada: observar o mar. Coisas como pastéis de camarão, agulha frita, ensopadinho de aratu, nacos de macaxeira.
Mas a refeição mais esperada era a primeira do dia, que me fazia deixar a cama sem protelação, coisa rara. No delicioso café da manhã, eu apontaria um único senão: o fato de não haver mais frutas locais na seleção diária. Houve, no entanto, muitas e grandíssimas compensações: ovo no pão, queijo de coalho na chapa, extraordinários pães de queijo (dos melhores que comi no Brasil), tapioca, bolo, panquecas e geleias. Entre os pequenos mimos que mudavam diariamente, as bananas douradas com açúcar e canela e os bolinhos de estudante mereciam lugar definitivo no cardápio.
O bicho urbano sobreviveu à experiência, mas saiu dali com suas convicções seriamente abaladas.
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