"Pão ou pães é questão de opiniães"

Fevereiro 2015

Flávia Maculan

Valho-me das palavras de Guimarães Rosa na tentativa de antecipar minha defesa. O assunto deste post é daqueles que não sei abordar sem paixão. Sempre que vem à baila, acabo recebendo pedrada. Percebo que muita gente reputa exagerada minha costumeira ladainha, mas ainda não houve quem me fizesse mudar de opinião: não é fácil encontrar pão verdadeiramente bom neste país.

Entendam bem, não é que eu me empenhe em ver o copo meio vazio. Jamais negaria a incontestável realidade da multiplicação de estabelecimentos que prometem restituir a esse alimento tão fundamental o respeito devido. E, de quebra, salvar-nos do pãozinho francês cheio de aditivos, hóspede fugaz dos grandes fornos, eternamente condenado a deles ser expulso muito antes do tempo. Só acho que nem sempre tais estabelecimentos entregam o que prometem.

Adianto que não sou nenhuma especialista em fornadas. O mais perto que cheguei da compreensão do processo de fabricação de pães de fermentação natural foi a meia dúzia de vezes que abri o belo livro "Pão Nosso", de Luiz Américo Camargo, prometendo-me empenho no aprendizado da prática, mas reiteradamente desistindo no meio do caminho, por medo de falhar. Desconfio que meu receio na investida decorra menos de já ter matado alguns levains do que do fato de este ofício me soar como algo quase sagrado.

Como eu ia dizendo, meu entendimento não vai além daquilo que me sinaliza meu paladar. E ele me sugere que o nível da nossa produção não evolui na mesma velocidade com que avança o modismo das novas boulangeries. Em São Paulo, é possível que a coisa ande melhor. No Rio de Janeiro, ainda me parece tarefa árdua encontrar pães de qualidade. Os endereços que costumam arrebatar prêmios por aqui estão longe de entregar o que espero de um bom pão.

Isso explica a felicidade que se instala em mim quando um exemplar especial cruza meu caminho. Aconteceu recentemente, quando um querido amigo me apresentou o trabalho da paulistana Flávia Maculan, que merecidamente vem conquistando reconhecimento em sua cidade. Flávia assa em casa, num forno comum, os melhores pães de fermentação natural que tive oportunidade de experimentar no Brasil. Digo isso depois de ter repetido a experiência há algumas semanas, quando fui presenteada por ela com meu favorito entre todos os que eu já havia provado: um soberbo pão de azeitonas.

Flávia Maculan

Flávia Maculan

Não sei se saberia expressar com precisão técnica o que quero dizer, mas a música da faca rompendo a crosta, a beleza dos alvéolos, o perfume denunciando a complexidade de sabor a ser revelada em seguida, tudo isso comunica aos meus sentidos que aquele não é um pão qualquer. Há respiração naquela massa. E há a profunda transformação que só o manejo do fogo com sabedoria pode proporcionar. Se é que o que eu digo aqui faz algum sentido, a moça certamente saberia traduzir com mais propriedade: Flávia, além de padeira, é bióloga. Nada é por acaso.

Flávia Maculan

Flávia Maculan

Mantenho-me firme no propósito de ver o copo meio cheio e quase ouso dizer que é mera questão de tempo os pães pálidos, frouxos e sem sabor que há tanto consumimos ganharem, mais e mais, a concorrência de pães como esses. Ao menos, é grande minha vontade de acreditar nisso.

Flávia Maculan – encomendas pelo e-mail fdmaculan@me.com

por: Eduardo Alvares em 23-02-2015
Cara Constance,
como concordo com você, infelizmente, em relação aos nossos mal assados e mal fermentados pães de cada dia. Infelizmente não é questão de "opiniães" mas é atriste realidade carioca.

Você poderia passar um contato da Flávia Maculan? Valeria a pena importar algum pão dela? Tenho um grupo de amigos, amigos da boa comida que, acho, adorariam importar pro nosso consumo caseiro.

Obrigado,
Eduardo Alvares

por: Constance em 23-02-2015
Olá, Eduardo. O contato da Flávia para encomendas está ao final do post. Eu lhe confesso que também adoraria importar os fabulosos pães que ela faz. Mas não sei se haveria como chegarem frescos e íntegros do lado de cá da ponte aérea...
por: Luiz em 25-02-2015
Constance,
Obrigado pelo texto, que tão bem traduz essa paixão (será grave, será que tem cura?) pelo pão. Muito bem escolhido o objeto do post: os pães da Flávia são coisa fina, de exceção. E me aventuro a dizer que, aos poucos, o panorama vai melhorando. Em algumas padarias, com alguns boulangers amadores (no melhor sentido...), com consumidores mais exigentes. Por fim, agradeço a gentil menção ao livro. Continuamos na sova, amassando e fermentando.
por: Constance em 26-02-2015
O panorama vai melhorando, sim, Luiz, você tem razão. E isso acontece não só pelas mãos de novos padeiros que abram suas portas ao público, mas também, como você bem disse, através de boulangers amadores e de uma exigência maior por parte dos consumidores. Não tenho dúvida de que trabalhos como o seu - não apenas o livro, mas os tantos posts a respeito do assunto - têm uma tremenda importância nisso tudo.
Um grande abraço.
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