A primeira edição brasileira do Guia Michelin: minhas impressões

Março 2015

Michelin Brazil

Sou crítica contumaz de boa parte dos prêmios de gastronomia, nacionais e internacionais. Por um simples motivo: são poucos os júris em que se imponha anonimato aos jurados ou em que haja ao menos a certificação de que, ainda que não circulem anonimamente, eles procedam com autonomia e isenção. Não acredito, porém, que o anonimato por si só seja capaz de garantir uma deliberação justa ou elogiável. A primeira edição do guia Michelin dedicada ao Brasil (que, no capítulo de restaurantes, limitou-se a duas cidades: Rio de Janeiro e São Paulo) está aí para provar que só anonimato não basta quando se trata de avaliar restaurantes.

Jamais me convenci de que os macarons distribuídos pelo famoso guia refletissem preponderantemente a qualidade da comida. Sempre tive a impressão de que a consideração de ambiente e conforto interfere na avaliação a ponto de deixar fora do radar dos inspetores lugares que, embora ostentem cozinhas notáveis, eventualmente não se revelem dignos de nota em outros quesitos.  A edição brasileira veio reforçar minha impressão.

Além disso, penso que uma equipe de inspetores formada apenas por estrangeiros tende a produzir resultados que não traduzam com precisão o que seja verdadeiramente relevante no panorama local. Só isso justifica que um guia dedicado ao Brasil não coloque em evidência trabalhos absolutamente fundamentais no cenário brasileiro, como o de Mara Salles no Tordesilhas ou o de Rodrigo Oliveira em seus dois restaurantes, Mocotó e Esquina Mocotó.

A falta de acuidade não se limita à decisão de quem deva ser agraciado com os famigerados macarons, mas está presente em diversos aspectos da seleção de restaurantes apresentada pelo guia. O que mais explicaria que o Jiquitaia fosse definido como uma cozinha com raízes no norte do país? E como legitimar uma seleção que contemple tantos restaurantes não mais que medíocres e nem sequer mencione lugares como Irajá ou Aconchego Carioca, só pra citar alguns exemplos?

O olhar dos inspetores do Michelin me parece cada vez mais ultrapassado. Faz tempo que deixei de tê-lo como referência crucial ao decidir onde comer fora do Brasil. Espero que o turista estrangeiro também não tome a edição brasileira como único norte quando se perguntar onde deva buscar o melhor da atual cena gastronômica do eixo Rio-São Paulo.

por: Julien Mercier em 23-03-2015
Constance,

Antes de tudo, pra tentar dar credito a minha resposta, minha tese (ultimo trabalho da escola, não é bem uma tese no sentido próprio) era sobre o guia Michelin. Tambem, deixo claro aqui que não sou um defensor roxo desse guia e também acredito que ha varias coisas erradas nesse guia. (como em qualquer lista né?)

Enfim, Antes de tudo, é bom lembrar como são avaliados os restaurantes pelo guia. 1, 2 ou 3 macarons (sim, como você sabe, não são estrelas) refletem da impressão geral do lugar. No primeiro guia, 1 macaron era para restaurante que valiam a pena parar, 2 para o restaurante que merece o desvio, e 3 para os restaurantes que valem a viagem sozinho.
Alem desses macarons, ha garfos, que refletem da qualidade da comida servida. Ou seja, pode ter um três macarons com 3 garfos e um dois macarons com 4 garfos (a classificação dos macarons vai de 0 a 4)
Quando Marco Pierre White atingiu a nota maxima de 3 macarons, ele procurou saber o que poderia fazer de melhor. E ele descobriu que ele queria ter um 3 macarons com 4 garfos..

Enfim, isso sendo explicado, podemos começar a responder ao seu post.. Primeiro ponto ja foi explicado: sim os macarons não refletem apenas da comida. Exemplos como o Noma, Mugaritz entre outros, ilustram esse ponto.
O michelin sempre usou time franceses para as primeiras edições dos seus guias no exterior, pra implantar uma maneira de pensar. Claro que as 1ª edições do guia sempre tem alguns esquecidos. É simplesemente impossivel 2 inspetores avaliar TODOS os restaurantes de SP e RJ (apenas como você disse). Então eles tem que se limitar a algumas recomendações (guia locais, amigos, ...)
No caso dos restaurantes brasileiros, eu queria realmente dar minha opinião. Você me conhece ja, e não ha nesse mundo alguem que gosta mais do mocoto que eu.. mas eu concordo com o Michelin... ele ganhou um Bib Gourmand nos 2 estabelecimentos dele (uma puta vitoria), com 1 garfo no mocoto e 2 no Esquina. O Mocotó nunca terá macaraon (ao menos que se refere a 1ª definição, nesse caso sim já que ele vale a viagem até a Vila medeiros). Acho uma puta honra ter um bib Gourmand, demostra um trabalho serio de quem se importa fazer uma boa comida a um preço razoável. No caso da Mara Salles, pode ser que os inspetores realmente não entenderam a proposta dela, ou caíram num dia menos bom... O jiquitaia foi um erro de entendimento dos inspetores, dve ter alguém que contou que o Marcelo vem do norte e assimilaram que o restaurante vem do norte tambem, podemos entender erros de tradução né? Que guia international não tive esse problema quando se trata do brasil, misturando nomes de ingredientes??
No caso do Anconchego, Katia faz um trabalho maravilhoso. Eu amo aquele lugar, mas ela sempre fala que ela cuida de um bar certo? Um buteco? Que não é um restaurante... Entao nesse caso, devemos entender que o Michelin nao mencionou ela, ja que avalia restaurantes.. Conheço muitos bares na França que servem petiscos sensacionais, ou tabernas na Espanha, e nenhum tem menção no Michelin.. Justo??? Não sei se é justo mas que faz sentido sabendo das regras, pra mim faz..

Enfim, pra fechar, (e adoraria debater contigo mais sobre isso, ao vivo) acho que sim o Michelin é relevante. Ele é relevante pros critérios dele. Ele continua ser o guia mais conhecido do mundo, acredito que as notas dele são realmente as que eles acreditam, sem influencias externas (como no 50best). Mas mais uma vez, não deixa de ser uma lista, e lista tem seus erros em cada uma, seus criterios, sua linha de conduta. Achei essa edição (previa de edição né) bastante justa e logica. Vi coisas no guia que achei absurdas, outras que pensei “até que enfim alguem percebeu isso”, mas afinal relevante.
Obviamente, um viajante no brasil sabera fazer a differenca entre isso e outros guias, como ja ta sendo feito em países bem mais antigos no Michelin como na frança. A beleza de um guia é essa...
Beijos
por: Dri em 23-03-2015
Concordo com grande parte do que você ponderou. Mas aí voltamos aquele ponto em que eu insisto: muitas vezes recomendações de onde comer esbarram no "pessoal". Lógico que é possível identificar bons ingredientes, boas execuções. Mas ao menos aqui no Rio eu vejo (assim como você retrata aqui) MUITA inconsistência de padrão de qualidade. Muitos dos restaurantes aclamados pela mídia são visitados por jornalistas/figuras conhecidas e não pagantes. Fica a dúvida: em quem confiar?
por: Katia Barbosa em 23-03-2015
Oi Constance! Obrigada pela lembrança , mas realmente nem pensei em rananha pretenção, mas tb fiquei um pouco decepcionada com a ausência do Tordesilhas e Irajá Gastro ! Parabéns por sua coragem em questionar um guia tão importante! Bjs
por: Constance em 23-03-2015
Julien, antes de tudo, obrigada por todas as considerações sobre o guia. Seus comentários são sempre enriquecedores.
Não sei se estou errada, mas sempre fiz outra leitura das avaliações do Michelin. Os garfos, que você diz que avaliam a comida, são apresentados pelo guia em "categoria de conforto", segundo qualidade de serviço e ambiente do local. Já os macarons são apresentados como "símbolos distintivos" , onde se consideram "mesas que valem a viagem", "mesas que merecem um deslocamento", "mesas muito boas" e excelente refeições a preço moderado (bib gourmand). Então, conforto e serviço não deveriam entrar somente nos garfos e macarons não deveriam contemplar preponderantemente a cozinha? É como o próprio guia apresenta seus símbolos.

Quanto ao Aconchego, vi o lugar nascer e sou a maior defensora de que nasceu com alma de bar e mantém ainda esse espírito, mas, objetivamente falando, é inegável que cresceu e virou um restaurante.

Quanto ao Mocotó, como você mesmo diz, no sistema de avaliação do Michelin, "nunca terá um macaron". Isso só reforça a minha convicção de que é um método de avaliação que acaba ficando meio ultrapassado. Como você sabe, não há chef de cozinha estrangeiro que venha ao Brasil e não se desloque até o Mocotó. Fazem isso porque sabem que ali está um dos grandes talentos da cozinha brasileira. Talento que jamais terá o devido reconhecimento num guia com o formato do Michelin.

Obrigada mais uma vez por comentar. É sempre bom tê-lo aqui.
por: Julien Mercier em 23-03-2015
Constance,

Eu tive que ir verificar no guia pra ver que você esta certa quanto aos garfos... Meu erro!!
Não deixa que os Macarons são distintivos, cobrindo tudo na mesa, no serviço, resumindo: a experiencia..

Hoje, 1 macaron significa: "une très bonne table", duas " tables excellentes" e a 3a "les meilleures tables"... Em francês (prefiro me limitar nesse idioma) table significa mesa, mas nesse caso significa o restaurante inteiro, aonde se senta numa mesa. Tudo ao volta da mesa faz parte "des arts de la table".

Lembrando que durante alguns anos, Michelin tinha critérios muitos duros como a obrigação de ter toalha na mesa... Ele é um guia velho, foi criado em 1900, e como qualquer pessoa velha, as vezes demora pra abraçar as novidades.

Voltando ao Mocotó, acho triste o fato do Rodrigo nunca conseguir uma estrela no Mocotó (talvez um dia no Esquina...) Com certeza o trabalho dele é intenso, maravilhoso, um dos melhores do Brasil.. mas mais uma vez, pra ganhar qualquer jogo, você tem que respeitar as regras. As vezes no futebol é mais fácil fazer gol de mão, porem é proibido... E o Rodrigo tive o reconhecimento do Michelin sim... Preciso falar de novo, o Bib Gourmand é um PUTO RECONHECIMENTO... difícil, merecido...
No caso do Aconchego, ele esta em todos os guias locais como bar, talvez isso tinha influenciado os jurados em nao ir visita-lo... como disse, eles devem ter usado recomendações e guias pra se mover no Brasil...

Enfm, a Marca Michelin é uma velha tradição... e os franceses não gostam de alguém mexer nas suas tradições....
por: Pedro de Artagao em 24-03-2015
Excelente post e reconfortante comentário Constance! Mocotó, tordesilhas e aconchego carioca , não só valem a viagem como são genuinamente a primeira escolha de cozinheiros em passagem por Rio e SP. Nao sou francês como o Julien, mas tenho mais de um guia, e nele diz que o macaron representa puramente a cozinha apresentada! Mais uma vez, parabéns por expressar suas opiniões com inabalável personalidade.

Catita te amo!!!!!!!!
por: Constance em 24-03-2015
Julien, sei bem que os franceses não gostam que mexam com suas tradições ;) Entendo que a questão se refira, afinal, a regras. Mas talvez as regras de hoje não possam ser as mesmas de ontem. É preciso saber envelhecer. Sou da opinião de que, até pra continuar o mesmo, é importante saber mudar.
por: Ivo Ribeiro em 24-03-2015
Caros,
O que acho mais decepcionante nesta chegada do Michelin ao Brasil é que nas categorias listadas no guia não está contemplada a cozinha brasileira. Tem cozinha francesa, italiana, indiana/paquistanesa(???), mediterranea, asiática, e não tem brasileira, mesmo na versão sobre e para o Brasil.
por: Constance em 24-03-2015
Também procurei no índice e fiquei surpresa por não encontrar, Ivo. Uma piada. Entendo que guias precisem de padronização, mas é preciso ter a habilidade de compreender o lugar que está sendo retratado, perceber suas peculiaridades.
por: Alfredo Eb em 25-03-2015
Constance, concordo inteiramente com sua avaliação. Pessoalmente fico em apuros quando alguém muito exigente me pede sugestões de bons lugares para comer aqui no Rio. Como lembrou a Dri a a irregularidade é um problema sério mesmo, parece frequentar a maioria das mesas. Qualquer avaliação exige várias visitas, e repetir pratos. O guia não é um cão para cegos, né? Estrangeiros que se baseiem exclusivamente no Michelin vão quebrar a cara sem usufruir realmente o que de melhor podemos oferecer.
por: Joaquim em 25-03-2015
Só faltou o Paris 6 ser agraciado com o Bib Gourmand !
por: Charles Valentin em 25-03-2015
Constance,
Defendendo a objetividade do Michelin.
Trata se realmente de um guia mais para estrangeiros. São "estrelas" e não "macarons". 3 Estrelas : valeria a pena vir para SP so para ir à um determinado restaurante. Acho que realmente não ha isso em SP. 2 Estrelas : se voce esta em SP, não pode faltar de ir a tal restaurante. O DOM vale pela reputação do CHEF e pela ORIGINALIDADE da comida. Acho talvez meio injusto o Fasano não ter as 2 estrelas e ter apena uma, e estar no mesmo nivel como, por exemplo, o Kosushi. Mas, por outro lado, quem é o CHEF do Fasano ? O spaghetti ao vongole é otimos, mas talvez não queremos ir à SP para isso. Os japoneses de SP levam uma grande vantagem sobre os italianos de SP, pela reputação dos chefs sushi men e pela criatividade na comida. O Tordesilhas , que eu adoro e frequento muito, esta na lista sim dos 145 retaurantes, so não recebeu Estrela talvez so por ser dificil achar originalidade num restaurante que respeita as tradiçoes. O Brasil A Gosto não recebeu o Bib Gourmand talvez porque o critério ai é o preço moderado, o que é o caso no Mocoto. Sinto muito falta na lista do Bar da Dona Onça no Copan... talvez pelas mesmas razoes do Aconchego Carioca. Os "garfos" definem o conforto e o luxo..
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