Não sou de dar muita bola pra datas e comemorações. Mas, ontem, o Dia dos Pais me trouxe — nem sei bem por que — um caminhão de memórias. Muitas delas têm a ver com comida. Tudo na minha casa sempre aconteceu em torno de uma mesa. Restaurantes luxuosos e caros não faziam parte da rotina da minha família — e, portanto, não povoaram a minha infância —, mas a comida sempre esteve presente, impregnando o meu imaginário. Cada vez mais me convenço de que minha mãe e meu pai, de certa forma, têm uma boa dose de participação no meu gosto pela gastronomia. Cada um à sua maneira.
Minha mãe, exímia cozinheira (talvez, a melhor a que fui apresentada nesta vida), sempre se relacionou com a cozinha com extremo refinamento. Não no sentido de usar produtos caros ou técnicas mirabolantes, mas no de lidar com o ingrediente com respeito, quase devoção, e jamais transformar a comida em algo que ela não quisesse ser. Apresentava cada fruta como uma relíquia a ser descoberta. Sempre fez questão de nos ensinar os sabores do mundo, preparando uma infinidade de pratos que fizeram nossas vidas melhores. A meu pai sempre coube comê-los com a velocidade e a fúria de um tornado. Até hoje acho curiosa essa sua fome ancestral. Essa urgência em devorar toda a comida do mundo...
Acho que posso dizer que de cada um herdei uma parcela da paixão que carrego comigo pelo universo da gastronomia. E há certas comidas que sempre me remetem a um ou a outro. Não consigo comer bolinhos de aipim sem me lembrar dos de minha mãe. Recordo com clareza a cena na cozinha em Copacabana, onde eu me sentava a seu lado pra vê-la moldar os bolinhos um a um, com o zelo de quem traz ao mundo pequenas obras de arte. Eu não tinha mais do que cinco, seis anos. Mas já tirava daquela experiência um prazer difícil de mensurar. Em vê-los sendo criados e em comê-los logo em seguida.
Da mesma forma, pudim de leite sempre me faz lembrar meu pai. Diante de sua sobremesa favorita, é capaz de comê-lo direto na forma, um inteirinho. Manteiga é algo que também sempre me levará a ele. Devora quantidades inacreditáveis sobre fatias incontáveis de pão. Quando censuro, ele lembra a infância pobre, em que faltava até manteiga à mesa, e me faz entender que jamais saberá comer pão com manteiga de outra forma. Quando saímos pra almoçar ou jantar juntos, sua fome furiosa, que o leva a comer sempre como se fosse seu último dia de vida, irremediavelmente, me faz passar alguma vergonha. Mas a verdade é que vi poucas pessoas tirarem tanto prazer de um prato de comida. E por mais que eu reclame de sua falta de etiqueta, eu repenso, relevo e tento até me divertir com ela. Porque tenho certeza de que, um dia, essa irreverência, essa liberdade com que trata a mesa – que é a mesma com que trata a arte e a vida – ainda vai me deixar saudades.
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