São oito meses sem entrar em restaurantes, bares ou cafés. As duas únicas refeições que fiz fora do lar nessa quarentena aconteceram na varanda da
Pousada da Alcobaça, que, pra mim, é uma especie de casa fora de casa. Houve também uma média com pão na chapa na companhia do meu pai, numa padaria de bairro. Isso foi tudo.
Quando penso no que mais me faz falta, não são os longos menus ou as novidades da estação que me vêm à mente, mas as mesas informais onde compartilhei pratos e confissões. Não cabe aqui nenhum menosprezo por quaisquer modelos de restauração, ao contrário, eles podem e devem coexistir em sua diversidade - viver é somar, não subtrair. É só mesmo um exercício de reflexão, inevitável quando se passa tanto tempo em confinamento.
Desde março, sempre que desejei me transportar pra um lugar onde fui feliz tendo como pano de fundo uma refeição (há felicidade possível com outro pano de fundo?), não foi aos salões estrelados que a memória me conduziu. Nenhum desses lampejos me levou de volta ao almoço no Noma, em Copenhague, mas estive algumas vezes nas tascas lisboetas onde comi iscas de fígado com a mãe ou pastéis de bacalhau com as amigas. A imaginação não revisitou nenhum dos jantares intermináveis a que tantas vezes submeti meu marido, mas desejei estar com ele no bar em Tiradentes onde afogamos as mágoas de um ano ruim numa porção superlativa de fígado com jiló. Ou nas tantas confeitarias de Paris onde, não sem alguma vergonha, comemos demais por dificuldade em fazer escolhas.
No frigir dos ovos (os meus, por favor, com gema mole), é no bife à parmegiana compartilhado que se forjam os afetos, não na vertical de Château Margaux.