Visitei algumas vezes o Attimo durante o período em que Jefferson Rueda esteve no comando da cozinha. Sempre comi muito bem, mas era palpável a desconexão entre o ambiente do restaurante e sua proposta culinária. A sensação era a de que o chef não se sentia em casa. O que ficou ainda mais claro pra mim quando estive, há alguns meses, em sua nova morada. Na Casa do Porco, Rueda é grande porque ali pode ser inteiro.
Instalado no Centro de São Paulo, a poucos passos do Edifício Copan, onde sua mulher, Janaína Rueda, comanda o Bar da Dona Onça (um dos meus lugares favoritos na cidade), o cozinheiro está à vontade: numa verdadeira ode à anatomia suína, serve comida impecável em ambiente democrático e a preços palatáveis.
Assim que nos acomodaram na parte externa, fomos informados de que o menu De tudo um porco (sequência com diversos itens do cardápio em pequenas porções) poderia ser servido ali, na calçada, sem firulas. E não há a exigência de que todos à mesa optem por ele. Eis um dos grandes méritos da Casa do Porco: fazer-nos lembrar que o artesanato culinário pode ser concebido com criatividade, refinamento e simplicidade a um só tempo, e que a grande cozinha não precisa estar cercada de rituais excessivos, nem atada a um surrado conceito de exclusividade.
Enquanto decifrávamos a extensa ementa (num primeiro momento me pareceu até extensa demais, o que quase sempre é um risco), pedimos uma porção com algumas das linguiças de produção própria, acompanhadas de cavolo nero, repolho e farofa de cebola. Deliciosas. A de molejas ainda não me saiu da memória.
Sucumbimos enfim ao menu-degustação. O percurso começou com embutido de cabeça de porco e presunto cozido, acompanhados de pão da casa, mostarda, picles e compota de cebola com bacon. Em seguida, bocados como tostada de morcilla com tangerina (a profundidade de sabor da linguiça dialogando com o frescor da fruta), croquete e delicado pão no vapor com barriga de porco.
Não se pode deixar de mencionar o feliz casamento do torresmo de pancetta com goiabada picante.
Ao fim da sequência, uma das grandes estrelas do cardápio: Porco San Zé, assado por alguns pares de horas, úmido, pele crocante, um assombro. Chega na companhia de tutu de feijão, tartar de banana, couve e farofa.
Antes de me despedir, fui ao encontro do indefectível pudim de leite da chef confeiteira Saiko Izawa, que acompanha Rueda desde os tempos do Attimo.
O almoço aconteceu numa tarde de domingo, horas antes de embarcar de volta ao Rio de Janeiro. No trajeto em direção ao aeroporto, meu marido sintetizou o prazer daquela refeição: "Pegaria a ponte aérea só pra comer ali de novo."
A Casa do Porco Bar – Rua Araújo 124 - Centro