Volta: pra quem tem fome de saudade

Outubro 2013

Restaurante Volta

Se há uma lição que esses cinco anos de blog me trouxeram é a de só escrever a respeito de um restaurante quando eu me sinta à vontade pra fazê-lo. Pode acontecer na primeira visita. Às vezes, só depois da segunda ou da terceira. Em alguns casos, confesso, esse momento nunca chega. Não me perguntem por quê. Eu não saberia explicar. Só sei que enquanto não encontro as palavras certas pra falar sobre determinado lugar, prefiro não desperdiçar meu tempo e, especialmente, o do leitor. Só vou adiante se minhas linhas, ainda que tortas, fizerem algum sentido pra mim. Mesmo que, eventualmente, não façam pra vocês - isso, não tenho como evitar.

Restaurante Volta

O post de hoje é desses que custam a nascer. As palavras não me encontraram na primeira visita ao Volta. Nem na segunda. Escrevo depois de ter estado cinco ou seis vezes no restaurante inaugurado em agosto pelo mesmo time que comanda o Venga!. Por mais estranho que isso possa parecer, quanto mais me pergunto por que só agora consegui esboçar essas linhas, mais me convenço de que a dificuldade veio justamente do fato de ter muitas referências sobre grande parte do que sai daquela cozinha. Trata-se de um cardápio que evoca tudo aquilo que passamos a vida comendo nas casas de nossas mães, de nossas tias, de nossas avós. Comida servida em prato, aquela coisa que costumávamos usar antes de as placas de ardósia roubarem a cena, lembram?

Restaurante Volta

Restaurante Volta

Restaurante Volta

Então, depois de passar a infância comendo as deliciosas iscas de fígado feitas por minha avó, o que esperar das iscas do Volta? Os mesmos defeitos? As mesmas virtudes? Talvez, incompreensivelmente, um pouco dos dois. Na primeira vez em que as experimentei, a carne estava meio rija, deslize que minha avó também cometia às vezes, mas o molho era infinitamente mais profundo que o dela. Gostei. O simples fato de me fazerem lembrar as dela me bastaria pra gostar. Na segunda visita, reincidi. Tão saborosas quanto na primeira vez, agora, faltava-lhes aquela profundidade no molho, mas a carne estava muito melhor. O importante é que sempre me levaram de volta às da minha infância e isso, em certos momentos, é mais importante que a execução perfeita.     

Restaurante Volta

Quiabos, na casa da avó, jamais viriam com queijo minas esferificado – e confesso que passaria melhor sem essa licença poética, a meu ver, dispensável –, mas também não chegariam no ponto impecável dos quiabos feitos no Volta. Grelhados, em vez de refogados, crocantes como os dela jamais foram.

Restaurante Volta

As coxinhas de galinha ganharam meu favoritismo desde a primeira visita. Repeti algumas vezes e estiveram sempre muito gostosas. A massa não é pesada, o recheio é saboroso.

Restaurante Volta

Outro campeão de audiência por aqui são os ovos mimosa. Aprendi a comer em casa. Minha mãe os faz muito bem, mas não tão bem quanto o Volta – que ela não me leia... Faltam aos dela os infernais pedacinhos de bacon, que, sejamos honestos, deixariam qualquer receita melhor.

Restaurante Volta

No compasso da lembrança, vou, pouco a pouco, decifrando o cardápio e identificando minhas preferências. Se dissesse que não presenciei tropeços na cozinha, mentiria. Foi assim, por exemplo, com a canja de galinha. A apresentação era tão bonita que passei um tempo olhando o prato antes de tomar coragem e mergulhar a colher, que me traria a decepção de um caldo absolutamente sem sabor.

Restaurante Volta

Naquela mesma noite, minutos depois, as coisas melhorariam com um bom e farto arroz de forno com suã.

Restaurante Volta

Entre os pratos mais substanciosos, encontrei felicidade especialmente no cozido dos almoços de domingo. Há muita subjetividade nisso, pois o prato é uma das minhas predileções. Não posso dizer que seja o melhor que já experimentei, mas estava muito bom. O caldo, extremamente saboroso. Os legumes, coisa rara, não haviam passado no fogo mais tempo que o necessário.  O pirão que o acompanhava podia ser mais espesso, mas isso não abalou meu almoço.

Restaurante Volta

Quanto às sobremesas listadas no cardápio, quase sempre releituras de doces das nossas infâncias, experimentei a maioria, mas nenhuma me entusiasmou. A simplicidade do queijo de Araxá acompanhado de boas compotas de abacaxi, mamão e abóbora e, ainda, uma colherada de doce de leite, parecia-me a melhor opção pra encerrar uma refeição ali. Ao menos, até duas semanas atrás.

Restaurante Volta

Na última quinzena, o Volta ganhou um balcão de sobremesas com jeito de casa.  Sem releitura. A coisa como ela é. Receitas extraídas dos cadernos da mãe de uma das sócias do restaurante são executadas à risca, com pouca ou nenhuma intervenção. A seleção varia diariamente. Do que experimentei até agora, tudo estava delicioso. Do cremoso quindim ao bom e velho bolo xadrez.

Restaurante Volta

Restaurante Volta

Desenvolvi especial apreço pelo bolo formigueiro. Massa fofa, o sabor do coco fresco bem evidente, ótima ganache de chocolate, pouco doce. Numa cidade onde tão pouca gente dedica a uma receita de bolo o merecido zelo, é bom saber que ainda há esperança.

Restaurante Volta

Por tudo isso, sigo voltando. Não em busca de uma cozinha brilhante, pois não é exatamente o caso. Nem precisa ser. Quanto mais eu como, mais entendo que não se pode querer matar todas as fomes num mesmo lugar. Restaurantes são um pouco como gente. Cada um se presta a acomodar um tipo de fome. Particularmente, vou ao Volta com fome de saudade. Das iscas de fígado à moda da minha avó ao café coado com bala de coco no final da refeição. Dos pratos coloridos de porcelana como os que minha mãe colecionava aos móveis antigos que me lembram a casa da bisavó.

Entendam bem, vou até lá, não pra matar saudade, mas pra sentir saudade. Sou uma criatura à moda antiga, nostálgica por natureza, e sempre achei que saudade é coisa que se alimente.

 

Volta – Rua Visconde de Carandaí 05 – Jardim Botânico

http://www.restaurantevolta.com.br/

por: Luiz em 31-10-2013
Constance,
Parabéns pelo post, parabéns pela data (cinco anos; ou a comemoração já passou e eu não vi?). Não é fácil manter um blog sempre em alto nível - de texto, de ideias, de sensatez - por todo esse tempo, como você faz.
por: Constance em 31-10-2013
Oi, Luiz. Tudo bem?
A data já passou, sim. Confesso que esse ano estive tão mergulhada em questionamentos sobre se devia dar continuidade ao blog que nem comemorei.
Saber que tenho um leitor como você, alguém que eu admiro e respeito, é o tipo de coisa que faz a gente encontrar motivo pra continuar.

Um abraço,
Constance
por: Merél em 31-10-2013
Ah, que idéia linda a deste restaurante! Não estava sabendo disso. Amei o nome também. Me recuperou um pouco a vontade de comer fora esse texto, e esse quiabo e esse quindim. :)
por: Alhos, Passas & Maçãs em 31-10-2013
Muito bonito o post, Constance. Muito.
Beijos!

ps. Cozido, acredite, não como desde que minha avó morreu, em 79.
por: Constance em 31-10-2013
Merél, temos que combinar qualquer dia, então, pra comer coxinha, quiabo e quindim no Volta; )


Alhos, mas você não come cozido, então, desde o ano em que eu nasci ; ) Precisa interromper essa abstinência. Na serra fluminense, há um lugar que adoro, a Pousada da Alcobaça, que faz um cozido incrível. Qualquer dia, eu lhe ensino o caminho. Beijos.
por: Ane em 01-11-2013
Belo texto. Amo cozido. Melhor prato que minha mãe faz. Parabéns pelo blog.
por: Tuca em 01-11-2013
Li ali em cima q vc pensou em deixar o blog. Não me faça isso... não comento muito... mas como vc ve pelas minhas andanças to sempre lendo!

Bjs
por: Thais em 05-11-2013
Olá, Constance!
Eu pouco comento seus posts pq acabo lendo muito pelo iPhone. Mas tenho que dizer que suas opiniões, uma das mais sinceras, equilibradas e razoáveis que conheço, são um referencial importante para mim. Em tempos onde td mundo adora "bater palmas" e elogiar indiscriminadamente tudo o que é novo ou que tem grife, vc se destaca pela sua sensatez e textos cuidadosamente escritos. Todos que te acompanhamos sabemos o quão importante é usar as palavras certas nas horas certas - e vc faz isso muito bem.
Continue, por favor, a nos presentear com suas ótimas críticas e reflexões!
Bjs
por: Constance em 05-11-2013
Muito obrigada, Thais. Mesmo.
por: Ricardo em 11-11-2013
Olá Constance,

Conheci seu blog através do "Alhos&Passas e Maçãs", depois de uma elogiosa referência feita a você. Teus textos,com simplicidade e alegria, são de dar água boca e acalentar a alma. Tudo, como penso, que uma refeição deve remeter.

No final quando escreveu "Entendam bem, vou até lá, não pra matar saudade, mas pra sentir saudade. Sou uma criatura à moda antiga, nostálgica por natureza, e sempre achei que saudade é coisa que se alimente." Pensei no texto de Eduardo Lourenço do livro "Mitologia da Saudade."

“Saudades, só portugueses

Conseguem senti-las bem,

Porque tem essa palavra

Para dizer que as têm.

(Fernando Pessoa)



É a saudade mimosa paixão, e por isso tão subtil, que equivocadamente se experimenta, deixando-nos indistinta a dor da satisfação. É um mal, de que se gosta, e um bem, que se padece: quando fenece, troca-se a outro maior contentamento, mas não que formalmente se extingua: porque se em melhoria se acaba a saudade, é certo que o amor e o desejo se acabarão primeiro. Não é assim com a pena; porque quanto maior a pena, é maior a saudade, e nunca se passa ao maior mal, antes rompe pelos males; conforme sucede aos rios impetuosos conservarem o sabor de suas águas, muito espaço de misturar-se com as ondas do mar, mais opulento. Pelo que diremos que ela é suave fumo do fogo do amor, e que do próprio modo que a lenha odorífera lança um vapor leve, alvo e cheiroso, assim a saudade, modesta e regulada, dá indícios de um amor fino, casto e puro. Não necessita de larga ausência; qualquer desvio lhe basta, para que se conheça. Assim prova ser parte do natural apetite da união de todas as coisas amáveis e semelhantes; ou ser aquilo falta, que da divisão dessas tais coisas procede. Compete por esta causa aos racionais, pela mais nobre porção que há em nós; é legítimo argumento da imortalidade de nosso espírito, por que muda ilação, que sempre nos está fazendo interiormente, de que fora de nós há outra coisa melhor do que nós mesmos, com que nos desejamos unir, sendo esta tal a mais subida das saudades humanas, como se disséssemos: um desejo vivo, uma reminiscência forçosa, com que apetecemos espiritualmente o que não havemos visto jamais, nem ainda ouvido, e temporalmente, o que está de nós remoto e incerto; mas um e outro fim, sempre debaixo das premissas de bom e deleitável. Esta é em meu juízo a teórica das saudades, pelos modos que, sem as conhecer, as padecemos, agora humana , agora divinamente.

Abraço

Ricardo
por: Constance em 12-11-2013
Ricardo, bom tê-lo aqui. Ainda melhor saber que chegou pelas mãos de um amigo querido como o Alhos. Um belo presente, seu comentário. Obrigada.
por: Fernando Lucas Prudente Martins em 24-11-2013
Sempre bom lê-la...
Estive hoje lá novamente. .e adorei..um dos pratos mais interessantes foi a língua com espuma de espinafre...
O cozido estava excelente também.. o paste de carne assada com milho me fez voltar à infância...
Mais uma vez, parabéns pelo blog!
Abraços
por: Constance em 25-11-2013
Obrigada, Fernando.
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