A cada retorno ao Maní, aumenta minha convicção de estar diante do que considero um restaurante perfeito – ou quase perfeito, se entendermos que perfeição é meta inalcançável.
Já disse isso em outras oportunidades, mas não me canso de repetir: acho admirável a sabedoria que tiveram Helena Rizzo e Daniel Redondo em tirar a seriedade do salão e acomodá-la inteiramente onde, de fato, é fundamental: na cozinha. O resultado é coisa rara: come-se muitíssimo bem num ambiente leve, nada burocrático, absolutamente desprovido de afetação.
A comida é tudo o que se pode esperar de um grande restaurante: pratos inspirados, esteticamente impecáveis e sempre saborosos. Não digo que não possa acontecer, mas, particularmente, jamais vi ali um prato em que sobrasse conceito e faltasse sabor. A dupla de chefs cria, ousa, mas sabe fazê-lo sem transformar o ingrediente algo que ele não queira ser.
Dito isso, vocês podem imaginar minha felicidade num almoço recente na casa, quando, acomodada no poético quintal, tive a sorte de dividir a mesa com dois amigos tão comilões quanto eu, que aceitaram minha proposta de que compartilhássemos todos os pratos. E não foram poucos.
Começamos com um trio de entradas. O frescor e a doçura da sopa fria de jabuticaba com camarões no vapor de cachaça. Depois, nhoques de mandioquinha e araruta em dashi de tucupi, prato de impressionante equilíbrio e delicadeza. Enfim, o calor e o conforto de uma soberba canja coroada por um belo ovo a baixa temperatura.
Seguimos com o peixe do dia, cherne fresquíssimo, acompanhado de cebolas e batatas-doces na brasa e coalhada de leite de cabra. Ainda, o famoso “Maniocas”, que eu jamais havia provado: raízes e tubérculos assados (cenoura, beterraba, mandioquinha, inhame) com espuma de tucupi e leite de coco. O tucupi quase não se notava, mas o prato era extremamente saboroso e revelava o melhor de cada elemento.
Na bochecha de boi com mandioquinha e terra de banana nanica, o único senão do almoço. Embora a textura da carne estivesse impecável, praticamente não havia sal. Difícil evitar a comparação com o próprio Maní, onde comi em visita anterior, uma das melhores bochechas de boi de que me recordo.
As sobremesas são um capítulo especial no Maní. É raro encontrar, no Brasil, restaurantes onde a confeitaria seja tratada com a mesma atenção que os chefs dispensam à cozinha salgada. A casa de Helena e Daniel é uma exceção à regra. Tanto que nosso primeiro pedido, um tanto contido, sofreu uma emenda no meio do caminho e, em vez de duas, acabamos por compartilhar quatro sobremesas.
Começamos com aquela intitulada “Da Lama ao Caos”, tão deliciosa quanto inusitada. Doce de berinjela defumada, coalhada de leite de cabra, pistaches caramelizados, sorvete de gergelim preto.
Em seguida, uma gostosa versão do tradicional Rei Alberto - purê de ameixas, doce de ovos, creme de baunilha, morangos, suspiro. E um flan de queijo Canastra com sorbet de goiaba.
Não resistimos a encerrar com “O Ovo”, clássico do Maní, sobremesa à qual retorno sempre que tenho oportunidade: sublime sorvete de gemada mergulhado em espuma de coco.
Não sei se seria capaz de apontar, hoje, um restaurante melhor no Brasil.
Maní – Rua Joaquim Antunes 210 – Pinheiros