Menu degustação do Marcel: o talento do chef Raphael Despirite

Novembro 2010

Há mais de um ano, eu me prometia uma visita ao Marcel, restaurante hoje comandado pelo jovem chef Raphael Despirite. Por esses desencontros que a gente não sabe bem explicar, acabava sempre sendo levada por caminhos outros e adiando minha ida à casa. Fora o que eu vinha lendo sobre o trabalho de Raphael, minhas fontes mais seguras em São Paulo me garantiam que seu trabalho é uma das melhores coisas que surgiram na cidade nos últimos anos. Finalmente, fui, chequei com meus olhos e já adianto que corroboro o que se anda dizendo do menino por aí... Sim, até eu, do alto dos meus parcos 31 anos, me permito chamá-lo de menino, pois, além de ter cinco anos menos que eu, ele tem cara de menino, jeito de menino e, eu ousaria dizer, coração de menino. Mas o talento é de gente grande...

O restaurante, instalado num flat nos Jardins, está nas mãos da família de Raphael desde a década de 60, quando seu avô o comprou. Desde então, firmou-se com cardápio francês clássico, com grande destaque para os suflês. Raphael, que tem formação na França e passagens por cozinhas de Portugal e Espanha, apesar de conduzir com maestria, ao lado do pai, a tarefa de manter a boa fama dos suflês do Marcel, é inquieto o suficiente pra querer ir muito além. E vem deixando sua assinatura no menu degustação que criou, com o qual tem conseguido, a despeito da total falta de charme do ambiente de um restaurante de flat, atrair os olhares da cidade.

Começamos com patê de foie e um incrível chutney de tomate, acompanhando os ótimos pães, que, há pouco tempo, passaram a ser feitos na casa. O pãozinho de milho é quase um afago de avó e me fez pedir bis.

O primeiro passo do menu foi sua já famosa combinação de foie gras assado com uvas congeladas, marinadas em cachaça. As uvas são uma explosão de frescor, num feliz casamento com a untuosidade do foie gras.

Na sequência, uma espécie de sunomono de maxixe sobre creme de queijo. A crocância e o equilíbrio de sabor que Raphael soube tirar de um ingrediente tão simples e desprezado como o maxixe traziam à tona sua grande sensibilidade. Ao menos, foi essa a leitura que fiz.

Próximo prato, um interessante (acreditem, era interessante mesmo; não se trata de um uso vazio do adjetivo, por falta de outro melhor...) e saboroso carpaccio de língua defumada, salpicado de pipoquinhas de alcaparras (desidratadas e fritas), detalhe que fazia toda a diferença...

Em seguida, camarão em perfeito ponto de cocção, com um perfumado e delicioso molho de açafrão, acompanhado de tagliatelle de cenoura, que é, de fato, apenas... cenoura.

Um sopro de delicadeza: o tenro cherne, no ponto certo, com um levíssimo pil pil, flor de jambu e cubinhos mandioca fritos com perfeição. Eu poderia comer quilos daquela mandioca frita com tamanha sutileza, mas, aí, talvez, me esquecesse dela facilmente, como lembrou um sábio amigo à mesa. O fato de serem dois raros pedacinhos fez com que marcassem minha memória definitivamente.

Eis que veio, então, o incontornável suflê. Por sinal, um ótimo suflê de gruyère.

Finalmente, um tenro, rosado e suculento entrecôte, com purê de batata-doce e castanhas de caju.

Abrimos caminho para as sobremesas com os falsos fios de ovos, lúdicos e cheios de frescor. Raphael descasca e congela a manga, ralando-a, congelada, somente no momento de servir. Apenas manga, nada mais, nem açúcar.

A seguir, sua versão de salada de frutas: melão, amora, morango, purê de manga, gomo de tangerina e uma mini beterraba em redução de balsâmico. Praticamente uma aquarela.

O desfecho ficou por conta do delicado suflê de cupuaçu, que, apesar de gostoso, não me pareceu o encerramento ideal para aquele menu...

A cozinha de Raphael se revelou a mim como uma cozinha de detalhes, marcada pela sutileza e pela devoção aos ingredientes. Mas, eu diria que as sobremesas ficaram um tom abaixo dos pratos. Diria mais: acho que Raphael, talvez, devesse se libertar de vez dos suflês que fizeram a fama do Marcel e dar vazão à sua veia criativa, sem ressalvas, sem concessões. Creio que isso só teria a fortalecer o nome de um cozinheiro que se projeta como uma das grandes promessas do cenário gastronômico paulistano.


Marcel – no térreo do flat Quality Suites Imperial Hall – Rua da Consolação 3555
http:/www.marcelrestaurante.com.br
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