Um jantar (quase) perfeito no DOM

Agosto 2010

Aproveitei essa última passagem por São Paulo pra quitar uma dívida antiga e corrigir uma grave lacuna na minha vida. Fui, finalmente, conhecer o DOM e ver de perto a cozinha de Alex Atala. O cardápio atual apresenta uma retrospectiva de pratos que marcaram os onze anos de vida do restaurante. Optando pelo menu degustação, a escolha dos pratos fica inteiramente nas mãos do chef. Foi o que fizemos.

O couvert trouxe ótimos pães (gostei, especialmente do pãozinho de queijo, crosta crocante, sabor do polvilho evidente), que chegaram à mesa em boa companhia: manteiga Aviação, coalhada e uma sensacional pasta de alhos assados com batatas.

Primeira entrada: creme gelado de beterrabas, lulas cozidas a frio, e uma espécie de caramelo de priprioca. Particularmente, o que me surpreendeu foi revelar no concentrado creme de beterraba sua maior estrela. O melhor do prato não era a lula. Minha maior surpresa não era a priprioca, a quem meu paladar era apresentado pela primeira vez (mas, na verdade, quase imperceptível nesse prato). O intenso sabor da beterraba, que, praticamente, me levava a redescobrir o tubérculo que como desde criança (vá lá, nem tão criança assim...), foi o meu eleito nos dois quesitos.

Na sequência, consommé de cogumelos com ervas da horta e da floresta. Um prato que, esteticamente, me remete ao bosque, à mata. O aroma das ervas se misturando ao caldo quente de cogumelos reforçou em mim essa sensação. O sabor intenso do consommé, finalmente, selou essa ideia. Não sei se enxerguei significados e simbolismos além da conta no prato, mas, ao menos pra mim, pareceram fazer sentido essas impressões...

Antes mesmo de empunhar o garfo em direção à raia em manteiga de garrafa com madioquinha defumada e espuma de amendoim, o aroma do prato, que tomava conta da mesa e é algo que vai permanecer na minha memória por um bom tempo, já me havia deixado completamente inebriada. À leveza do peixe se somava a personalidade da manteiga e a garfada chegava ao auge com o sabor de defumado da mandioquinha. Dispensaria apenas a espuma de amendoim, que me pareceu inexpressiva: não comprometia o prato, mas também não fazia muito por ele.

Em seguida, uma feliz versão do Carbonara: no lugar do fettuccine, palmito pupunha. Toda a riqueza de sabor do autêntico prato romano, com a leveza conferida pelo palmito no lugar da massa.

Enfim, o filet mignon de javali ao roti e shitake, em perfeito ponto de cocção, rosado, macio, suculento, e acompanhado de uma cremosíssima canjiquinha.

No lugar dos queijos, o famoso aligot da casa, que estava bom, mas não sensacional.

A sobremesa era simples, mas sublime. Um bolo de castanha do Pará que repousava sobre uma densa calda de chocolate e era coroado por um delicioso sorvete de whisky.

As delicadas mignardises garantiram uma boa dose de ludicidade: macarons, tarteletes, trufinhas, línguas de gato e até dadinho, o doce de amendoim que marcou a infância de muitos dos que leem essas linhas.

Um jantar sem erros. O cuidado quase obsessivo no preparo de cada elemento não deixa dúvidas de que se trata de uma cozinha superlativa, em que a atenção está nos mínimos detalhes, até aqueles que os olhos não alcançam. Mas, devo confessar que saí com a sensação de que, se a precisão e o rigor dignos de um centro cirúrgico abrissem espaço pra um tantinho mais de calor humano, um tantinho mais de alma, o DOM, talvez, fosse um restaurante ainda melhor do que é; talvez se revelasse um daqueles poucos lugares que despertam uma premente vontade de voltar...

 


DOM – Rua Barão de Capanema 549 – Cerqueira César – São Paulo
www.domrestaurante.com.br
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