Ristorante Cracco – sobre técnica, emoção e expectativas

Setembro 2010

Como já disse aqui, meu segundo e último jantar em Milão foi no Cracco. Duas estrelas Michelin, tre forchette no Gambero Rosso. No comando, um dos chefs mais respeitados no mundo. Eis aqui uma daquelas refeições que vêm acompanhadas do inevitável peso da expectativa, o que, muitas vezes, acaba sendo um trampolim para alguma dose de decepção – aliás, às vezes, eu me pergunto se é possível um chef atender as expectativas que se criam em torno de um restaurante que alcança esse patamar...

Um belo salão, elegante, mas eu diria que um pouco frio. E confesso que, em alguma medida, senti um tanto dessa frieza na comida que me foi servida. A técnica de Carlo Cracco é impecável, sem dúvida. Mas algo ficou faltando nesse meu jantar. Aquilo que faz um jantar ser memorável. E que nem sempre é fácil traduzir em palavras, mas que se sabe identificar quando se encontra. No Cracco, apesar da excelência da cozinha, eu não encontrei. Ao menos, não naquela noite. E que fique claro: o que trago aqui nada mais é – nem poderia ser – do que o retrato de um momento. Um recorte da realidade, sob a minha perspectiva.

Começamos com chips deliciosos, como os de tinta de lula e os de flor de abobrinha. Ainda, macarons com recheio de vitela e nuvens de parmigiano. Soaram-me como o prenúncio de uma refeição sensacional.

Em seguida, uma versão de salada caprese: purê de tomate, cubos de mozzarela de búfala e azeite aromatizado com manjericão. Tinha frescor, leveza, mas... Já experimentei versões melhores.

Na sequência, salmão marinado, cúrcuma, chip de amaranto, purê de cenoura. A delicadeza do salmão, a crocância do chip de amaranto, a doçura do purê de cenoura resultavam num prato que foi um dos melhores da noite.

O próximo prato, não me lembro por que, deixei de fotografar. Eram bochechas de porco extremamente macias, com scampi no ponto perfeito de cocção e cubinhos de tomates verdes. O que faltou? O essencial: sabor.

Uma observação: desse momento em diante, o serviço se embaralhou e os intervalos entre os pratos ficaram longuíssimos, o que, de certa forma, comprometeu o ritmo da refeição.

Prosseguindo, risotto de açafrão com tutano. Era bom, mas, novamente, podia ter mais sabor. Devo dizer que a recordação do perfeito risotto allo zafferano do Il Marchesino, onde eu havia jantado na noite anterior, deixava o risotto de Carlo Cracco em desvantagem...

Enfim, cubos de vitela empanados, acompanhados de espinafre, tomate e abobrinha. Bom, mas não arrancou suspiros.

Antes das sobremesas, uma boa seleção de queijos, entre eles, pecorino, asiago e um interessante queijo de cabra, que, se não me engano, tinha uma crosta de uvas Nebbiolo.

As sobremesas e petit fours foram responsáveis pelo melhor capítulo do jantar. Um delicioso creme de amaretto, com um disco de chocolate e sorvete de caramelo. E uma levíssima nuvem de mascarpone em crosta de grué de cacau e calda de maracujá (um tantinho ácida).

Os petit four vieram em doses generosas e eram todos perfeitos. Granita de café, biscotti, macarons, chocolates, lascas de frutas desidratadas, castanhas e avelãs envoltas em açúcar e chocolate.

Se a técnica era, no balanço geral, admirável, por que o jantar no Cracco não me marcou como marcam os jantares memoráveis? Muitos podem ser os motivos, entre as tantas indecifráveis variantes que se sucedem, diariamente, entre o momento em que o cozinheiro empunha uma caçarola e aquele em que o comensal leva o garfo à boca. Mas, particularmente, penso que cozinha não é apenas técnica. Acredito na existência de algo impalpável, algo que é invisível aos olhos, mas, nem por isso, menos essencial. Algo que não sei bem explicar; sequer sei se é possível explicar, mas vou tentar. No meu modo de ver, gastronomia é como qualquer outra forma de arte. É importante compreender, mas mais importante do que compreender é sentir. Por exemplo, pouco sei sobre o cubismo ou, mais especificamente, sobre as peculiaridades da trajetória profissional de Picasso. Mas sei que Picasso me emociona profundamente. Jackson Pollock, por outro lado, por mais que eu saiba ser um gênio, creio que, ainda que o maior dos especialistas me fizesse entender melhor sua pintura, ainda assim, não me emocionaria. Dessa forma, eu diria que, por mais consciente que eu seja sobre a excelência da cozinha de Carlo Cracco, não consegui me emocionar com ela. E isso, pra mim, faz toda a diferença; é, provavelmente, o que determinará, na minha vida, se um jantar vai virar mera estatística ou se vai se transformar em memória.


Ristorante Cracco – Via Victor Hugo 4 - Milão
www.ristorantecracco.it

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