Aconteceu na Casa Carandaí, mas poderia ter sido em qualquer outro lugar

Agosto 2013

Quase três da tarde, entramos na Casa Carandaí e nos dirigimos ao café que funciona nos fundos da loja. Famintos, escolhemos rapidamente nossos pratos e chamamos a garçonete, que anota nossos pedidos. Enquanto aguardamos, observamos a quebra da rotina no salão. A proprietária da casa comandava os esforços da equipe no sentido de reproduzir o cardápio de café da manhã, cujos itens seriam fotografados em seguida, para publicação em uma revista.

Comento com meu marido: “Essa mesa está mais bonita do que a que encontramos no bufê do último domingo, não?” Ele acha graça. Seguimos aguardando e observando a movimentação. Àquela altura, já percebíamos que certa confusão se instalava, não sem motivo, no serviço. Eis que, vinte minutos depois de anotados nossos pedidos, a garçonete, com o constrangimento instalado no rosto, avisa que havia se esquecido de transmiti-los à cozinha. Desculpa-se uma, duas, três vezes. Mas a culpa não era sua.

A proprietária, preocupada em orientar a energia da equipe no sentido de providenciar os detalhes para a produção da reportagem, deixava em segundo plano o atendimento dos clientes ali presentes – muitos deles, provavelmente, frequentadores assíduos, que algumas vezes devem ter pagado por cestas de pães um pouco menos fartas e fatias de bolo um tantinho menos generosas do que aquelas que agora o fotógrafo enquadrava.  

É possível que algumas pessoas vissem o mau atendimento de que fui vítima como um simples acidente de percurso. Até poderia ser. Restaurantes são engrenagens movidas por gente, e gente, cedo ou tarde, falha. Faz parte. Mas, particularmente, vi naquele episódio mais do que um simples acidente de percurso. Vi um sintoma de um problema muito maior, que acomete a cena da restauração no Brasil e no mundo, com raras exceções: parecer tornou-se mais importante do que ser. Mais do que concentrar esforços em fazer bem seu trabalho e, como decorrência disso, ter suas mesas cheias, muitos chefs de cozinha e donos de restaurantes andam mais preocupados em lançar mão de ferramentas que lhes assegurem esse resultado mesmo quando a cozinha e o serviço de suas casas não justifiquem um salão lotado. Ter uma assessoria de imprensa que leve as pessoas certas a seus estabelecimentos. Oferecer refeições em troca de espaço – qualquer espaço, em qualquer veículo. Agradar jornalistas dispostos a vender fantasia a uma horda de leitores que, mais do que comida, quer consumir glamour. Tudo isso, de repente, ficou mais importante do que voltar a atenção para o que se passa em suas cozinhas e seus salões.

Aconteceu na Casa Carandaí, mas poderia ter sido em qualquer outro lugar.              

por: Ricardo Gaffrée em 05-08-2013
É isso aí, Constance. Concordo com vc! Frase de uma verdade extrema: "parecer tornou-se mais importante do que ser". Parabéns. Grande abraço
por: Marcelo em 05-08-2013
Lamentável !! Bem-feito aos donos, que terão que morrer com esse review, que escancara a verdadeira face da maioria - esmagadora - das cozinhas e chefs cariocas. Além disso, não podemos esquecer dos preços que normalmente são cobrados nesses estabelecimentos, que muita vezes (aliás, na maior parte das vezes) não justifica o que é servido à mesa, muito menos o serviço proporcionado ao cliente. Nesse mesmo estabelecimento, fico pensando se os produtos vendidos na loja chegam de nave espacial, de foguete, ou sei lá o que, que possa justificar o preço cobrado.
Parabéns Constance. Mereceu o meu primeiro comentário no Blog. Sugiro que vc continue marretando os estabelecimentos nos quais vc tenha surpresas desagradáveis. Seu blog ficará muito mais animado :)
por: Alhos, Passas & Maçãs em 05-08-2013
Caramba, Constance, você é uma chata! rs
Ainda bem. Porque é dessa chatice que precisamos. Na verdade, o nome técnico disso não é chatice; é crítica: aquela que se faz olhando de fora, com liberdade e sem comprometimento. Algo que os deslumbrados pelo falso glamour jamais alcançam. Nem quem troca a opinião por um prato de comida, perdendo de vista, no mínimo, que está se vendendo barato.
Beijos!
por: Gabriel Cavalcante em 05-08-2013
Excelente texto!

É muito importante alguém estar atento a essa tendência bilateral que tomou conta dos restaurantes, principalmente os do Rio de Janeiro.

Os donos deveriam se preocupar menos em mimar os "críticos", que por sua vez, deveriam ser imparciais a esses mimos e afagos.

Parabéns!
por: Luciana Betenson em 05-08-2013
Adorei Cons! Com humildade e sutileza você passou um recado importante. O mundo hoje é do superficial, do parecer mais do que do ser, mesmo. Bjs
por: Tiago dos Reis em 05-08-2013
"Agradar jornalistas dispostos a vender fantasia a uma horda de leitores que, mais do que comida, quer consumir glamour". Quanta verdade escancarada numa só frase.
por: Eduardo Alvares em 05-08-2013
Isso é coisa principalmente do Brasil e mais ainda do Rio. Outro dia fui ao caf;e Maya , em Laranjeiras, onde vou há tempos, e quase que religiosamente todo domingo. Convidei um casal de amigos para la jantar, e depois de consumirmos vinho, e sanduíches, veio a conta de perto de 300,00. Entrego meu cartão de crédito para o pagamento, aih vem o garçon, Júnior, doce e competente figura, com a conta dizendo que a máquina de cartão estava quebrada. Eu falei, entao assino a conta e passo depois pra pagar. Junior responde, claro. Assino a conta, Estamos saindo vem o proprietário e diz: EScreve seu número de telefone, achei meio assim e escrevi o celular, pq é mais fácil de me achar. Ele, o celular não, o de casa. Eu escrevi e respondi, está aqui, mas não me ligue cobrando que nunca mais volto. No dia seguinte fui lá e paguei. Só que detalhe, uma semana antes eu estava sentado à mesa com minha mulher, e esse mesmo proprietário vem me pedir para fazer umas declarações para a TV Bandeirantes, que estava fazendo uma matéria e ele queria meu depoimento. Uma atitude elegante não é mesmo!
por: Atiepolo em 05-08-2013
Numa casa paulista, recém aberta, almoçávamos bem e recebíamos um excelente atendimento. Lá pelo meio da refeição chegaram três jornalistas/blogueiros e então passamos a ser solenemente ignorados pela brigada do salão, que se desdobrou em cortesia e puxa saquismo à mesa do trio. Nunca mais voltei.
por: Gustavo Bonelli em 05-08-2013
Ótimo texto, como sempre. E que sirva de alerta para todos os prestadores de serviço que se embriagam com os modismos e se esquecem que o que faz um lugar e tratar todos os clientes em todos os dias como clientes especiais.
por: Maysa Alexandrino em 05-08-2013
Triste... Uma pena ver esse tipo de coisa acontecer... A Casa Carandaí é um ótimo lugar mas o café da manhã realmente não vale a pena pelo preço q é cobrado. Fazer ficar mais bonito pra foto é fácil...
por: Gustavo em 10-08-2013
Será difícil filmar fotografar com a casa fechada?
Como circula o "Ótimo sempre é inimigo do bom"
@GusBelli
por: Maria das Graças em 10-08-2013
Constance, o seu relato não me surpreendeu. Eu fui tratada com uma descortesia que me deixou desconcertada em um sábado pela manhã quando cheguei ao café para tomar água e um cafezinho. Entrei lá por absoluta falta de opção, depois de uma caminhada pelo bairro. Da Casa Carandaí eu não sou cliente.

por: Marcelo em 15-08-2013
Sabe o que é pior? Vc vive essa experiência e, eventalmente, corta o lugar da sua lista. Escreve aqui e n outras pessoas (eu, por exemplo) cortam o lugar de suas listas.
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