Oro, a nova casa de Felipe Bronze: minhas primeiras impressões

Novembro 2010

O novo restaurante do chef Felipe Bronze acaba de completar um mês de vida. Nesse período, estive lá duas vezes. Uma a convite da casa, num jantar para alguns jornalistas, por ocasião da inauguração. Dias depois, voltei por conta própria, que é como prefiro proceder quando vou emitir opinião sobre um lugar. Não vou negar que, num primeiro momento, fui munida de certo receio, em razão da trajetória claudicante e polêmica do chef. Ainda assim, jamais me dirijo a qualquer restaurante predisposta à insatisfação. Porque se for pra incorporar esse estado de espírito, sequer saio de casa. Aonde quer que eu vá, vou sempre esperando gostar, querendo gostar, embora nem sempre isso aconteça. No Oro, felizmente, aconteceu.

O projeto arquitetônico criou um ambiente moderno, bonito, agradável. Minhas únicas ressalvas são o pouco espaço entre as mesas (o que torna difícil ter alguma privacidade) e a pouca luz no salão – cheguei a ver pessoas lançando mão do auxílio de uma lanterninha pra ler a carta de vinhos. No mais, as paredes de tijolinhos, o jardim da entrada, as belas luminárias e a cozinha aparente, separada do salão por uma janela de vidro em tom de fúcsia, fazem do Oro um belo restaurante. O charme das louças em que a comida chega às mesas completa a proposta estética da casa.

Quanto à comida, não acho que se possa dizer nada de definitivo sobre um restaurante com um mês de vida. Especialmente, quando fica claro que se está diante de um cardápio que ainda passa por alguns ajustes. Mas, de modo geral, gostei muito do que vi. O enxuto cardápio se divide em snacks (quase sempre, entradinhas pra comer com as mãos), primeiro ato (uma série de pequenos pratos, perfeitos pra serem explorados sob a forma de uma degustação) e segundo ato (pratos, digamos, mais substanciosos). No conceito do restaurante, na escolha dos ingredientes explorados, nas técnicas empregadas, aparecem ecos, por um lado, do trabalho de chefs como Alex Atala, por outro, da cozinha de vanguarda espanhola e americana. Mas, em meio a essas influências, desenha-se o talento de Bronze.

Entre os snacks, experimentei deliciosos profiteroles de queijos do Brasil, com farofinha crocante de licuri caramelizado...

Levíssimos chips de alga, acompanhando um saboroso hummus de edamame, a soja verde, ainda pouco difundida por aqui...

E tempura de ovos de codorna, com gema mole, e ar de trufas. A apresentação é deliciosamente lúdica: chegam numa linda caixinha de ovos, embrulhados em papel. O ar de trufas não acrescenta muito em termos de sabor. Gostoso mesmo é o velho e bom ovo explodindo na boca, depois de rompida a casquinha crocante.

Entre os primeiros atos, que me pareceram o melhor do cardápio, há algumas maravilhas. Como o açaí salgado, cuja intensidade de sabor contrasta com a doçura da banana confit e ainda recebe, à mesa, uma chuva de foie gras gelado, ralado sobre o prato na hora de servir. Uma pequena joia.

Ou o royale de foie gras, um untuoso creme coroado por geleia de maracujá e sob o qual se esconde uma granola doce e crocante, um belo jogo de sabores e texturas. Se o foie gras fosse um pouquinho mais marcante, menos diluído no creme, o prato seria ainda melhor.

Ou, ainda, os lagostins servidos sobre um perfumadíssimo purê de pistache e limão siciliano e cobertos de delicados galhinhos de alcachofras fritas, pra mim, um dos melhores pratos do cardápio.

Entre as estrelas do primeiro ato, está também o Oro Burguer, feito com confit de porquinho de leite e ketchup de goiaba, que explora com maestria o “momento vedete” que vive a carne de porco nos cardápios do mundo. Um hambúrguer atordoante, desses pra esquecer a etiqueta e se lambuzar sem pudor.

No segundo ato, figuram pratos como uma bela costela de boi, que, após 12 horas de cozimento, chega à mesa desmanchando ao mais tímido toque do garfo, acompanhada de um sedoso aligot do sertão, feito com cará e queijo coalho.

É claro que me deparei com um ou outro prato onde achei que faltava sabor (como os blinis de jambu com pato desfiado e espuma de tucupi) ou equilíbrio (como no caso do bacalhau feito em baixa temperatura, em que a grande quantidade de uma espuma de tomate, um tantinho enjoativa, tomava conta do prato, ofuscando o sabor dos demais elementos, como o próprio bacalhau e uma ótima maionese de azeite). Mas me soaram, simplesmente, como algumas poucas notas dissonantes numa orquestra cujos elementos se alinham em direção a uma feliz harmonia. E eu diria que não falta talento ao maestro pra garantir que se alcance essa meta...

O gran finale fica por conta das sobremesas, idealizadas para serem compartilhadas. A “Tudo Chocolate” e a “Tudo Caramelo”, por exemplo, trazem mini sobremesas sob a forma de variações em torno de um mesmo ingrediente. Transforma-se uma sobremesa em várias, potencializando a ludicidade desse momento da refeição. Aliás, exatamente em nome dessa ludicidade, cada uma dessas seleções de sobremesas, inclui uma mousse finalizada à mesa, pelas mãos do chef, com uso de nitrogênio líquido, que lhes confere uma casquinha gelada, mantendo o interior cremoso.

Devo confessar que sempre tive uma cisma com a mise en scène do nitrogênio líquido. Apesar de ser uma técnica largamente utilizada nos restaurantes de vanguarda mundo afora, nunca comi nada que ficasse melhor depois de submetido à técnica... Uma mousse, por exemplo, me parece melhor in natura do que depois de submetida ao nitrogênio líquido, que deixa tudo com certo gosto de gelo... Pode ser ranzinice minha, mas tenho sempre a impressão de que a coisa se resume ao espetáculo pelo espetáculo, sem acrescentar muito sob o viés gastronômico. E, de fato, os outros elementos da série de sobremesas se revelaram muito melhores. Como a deliciosa gelatina de caramelo salgado, salpicada com cristais de sal Maldon, e os pequeninos e delicados churros, ambos integrantes da Tudo Caramelo. Ou ainda, a barra de chocolate preenchida com coulis de frutas (goiaba, cupuaçu, taperebá etc), a rica mousse de chocolate com crocante de licuri e o gâteau de chocolate intenso, coroado por uma leve espuma de avelãs, todas figurando na Tudo Chocolate. As esferas de polpa de cacau e de brigadeiro, talvez, tenham sido as únicas que não me disseram muito...

Enfim, para além de ares, esferificações e eventuais performances, o que fica, afinal, é o talento indiscutível de Felipe Bronze, que, eu ousaria dizer, tem potencial para alçar o Oro ao time das melhores cozinhas do Rio de Janeiro. O tempo dirá.

Oro – Rua Frei Leandro 20 – Jardim Botânico
www.ororestaurante.com

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