Já comentei neste post aqui e também neste outro o que penso do trabalho que vêm fazendo os irmãos Castanho pela cozinha paraense. Abordam o receituário regional sob uma perspectiva atual, traduzindo seus sabores com leveza e sofisticação técnica, sem vilipendiar o legado da tradição. Mas vou poupá-los de repetir tudo o que já disse sobre o talento da dupla. E se volto a falar em Thiago e Felipe Castanho é porque, finalmente, fui conhecer sua nova casa, o Remanso do Bosque, inaugurado em dezembro passado em Belém. O novo restaurante da família mantém o foco na cozinha regional, ainda que com uma linguagem mais moderna. O olhar mais autoral é reservado ao menu degustação, que entra em cena todas as noites.
Devo confessar que o ambiente não me agradou muito. Me pareceu sem personalidade e autenticidade, sem conexão com o conceito da cozinha. Fora isso, meu primeiro susto ao entrar foi o tamanho do restaurante, que tem capacidade para 150 pessoas. Me pergunto como fazem para, numa noite de casa lotada, dar conta do menu degustação, que é ourivesaria... Sorte minha ter estado lá numa noite tranquila.
O desconforto com a estampa do salão durou apenas o tempo de a comida começar a chegar à mesa. Porque naquilo que de fato importa, a dupla não deixa espaço pra questionamentos. Sabem muito bem o que fazem. Me impressionam pela maturidade que demonstram na cozinha, apesar da pouca idade – Thiago tem apenas 24 anos e o irmão, Felipe, 22. Estive lá em duas ocasiões num mesmo fim de semana. Comi bem no almoço e ainda melhor no jantar da noite anterior. Gostei demais do menu degustação, que, pra mim, revela o melhor do trabalho dos dois. Mas vamos por partes.
No almoço, começamos com deliciosos beijus assados com manteiga e parmesão.
Seguimos com o tenro lombo de robalo em caldo de tucupi, carimã e jambu, acompanhado de arroz de ervas do Pará. Ainda mais gostoso estava o tambaqui, com salada de feijão caupi (que chamamos feijão-fradinho no Rio de Janeiro), macaxeira na manteiga e farofa.
Encerramos com um belo naco de queijo do Marajó gratinado, acompanhado de compotas de bacuri e cupuaçu e, ainda, goiabada – todas ótimas. Não resistimos ao bolinho de tapioca assado, com doce de leite quente e sorvete da tapioca da sorveteria Cairu. O desfecho não poderia ser melhor.
Mas, como dizia, a meu ver, o menu degustação revela o melhor do Remanso do Bosque. Na sequência de pratos ali proposta, evidencia-se a atualidade e o refinamento do olhar que a dupla dispensa à cozinha paraense. Nessa minha visita, além dos oito cursos do menu, Thiago me apresentou alguns pratos ainda em teste.
Abrindo a noite, o incontornável beiju, aqui acompanhado de manteiga Real defumada, uma delícia.
Depois do beiju, a delicadeza da mojica de aviú (caldo de peixe, tomate, cebola, ervas, flor de jambu e os micro camarões do Pará), seguida de soberbo cuscuz de farinha d’água com camarões secos e azeite de coco. Não restou um grão no prato.
O falso risotto de ariá, com lascas de ariá frito e farinha de castanha do Pará, me apresentou ingrediente pouco familiar ao meu paladar, num prato surpreendente e extremamente saboroso.
Na sequência, um dos melhores pratos da noite: filhote na brasa em caldo de tucupi, carimã e jambu. Impecável a execução do peixe, que é um dos meus favoritos. Concentrado e saboroso o caldo de tucupi.
Eis então o que, pra mim, foi o melhor prato da noite. Pirarucu defumado, molho de urucum, banana e farofa de castanha do Pará. Prato que já tinha me marcado num jantar da dupla no Dalva & Dito em julho e que, agora, me pareceu ainda melhor.
Já o cordeiro com molho de açaí e (sensacional) farofa de açaí não me entusiasmou tanto quanto a versão do prato que eu havia experimentado no tal jantar em São Paulo, que trazia rabada no lugar do cordeiro...
O último ato se desdobrou em três deliciosas sobremesas. O frescor do bacuri com baunilha amazônica, café, melaço e tapioca caramelizada. Depois, caju, espuma de taperebá e farofa de castanha do Pará. Por fim, uma sobremesa que encarna o conceito de terroir: sorvete de açaí, filetes de palmito pupunha, chocolate 100% cacau da Ilha do Combu e terra de cacau. Só não me agradou o chocolate, cuja textura achei um tanto estranha, mas gostei do conjunto da obra. No mais, o sorvete de açaí da Cairu, excepcional, roubou a cena.
O menu degustação do Remanso do Bosque não me deixou dúvida quanto à sutileza que os Castanho coferem à cozinha de sua terra, sem, no entanto, mascarar seus sabores. Saí com a certeza de estar diante de um dos trabalhos mais relevantes no cenário atual da gastronomia brasileira.
Remanso do Bosque – Travessa Perebebuí 2.350 (com Av. Rômulo Maiorana)- Marco - Belém
http://www.restauranteremanso.com.br/